O IX ELAOPA E AS LUTAS POPULARES

O ELAOPA (Encontro Latino-Americano de Organizações Populares Autônomas) há nove anos vem reunindo, anualmente, organizações sociais da América Latina pautadas nos seguintes princípios: classismo, solidariedade de classe, democracia de base, autonomia dos oprimidos e dos povos originários e luta popular. Organizações que, portanto, defendem completa autonomia dos movimentos sociais em relação a partidos políticos, ao Estado e seus governos, às ONGs, às empresas, e toda força social fundada na opressão de classe. O ELAOPA, como espaço de articulação, cooperação, troca de experiências e debates com o intuito de consolidar convergências de ações políticas entre as organizações que o compõem, visa contribuir para a criação do Poder Popular.

O IX ELAOPA ocorreu nos dias 24, 25 e 26 de janeiro de 2011, no Centro de Formação Campo-Cidade (CFCC), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), localizado no município de Jarinú, Grande São Paulo. No encontro, estiveram presentes quase 400 pessoas de diversas regiões do Brasil, do Uruguai, da Argentina, do Chile, da Costa Rica, do Haiti. A maioria delas atuante nos mais diversos grupos e movimentos populares, que, presentes, somavam mais de 50 entidades.

Foto: Leonardo Schneider (casaderesistenciacultural.blogspot.com)


O tema deste ano, acordado na assembléia de fechamento do VIII ELAOPA, foi “O IIRSA e o Papel da Resistência dos Movimentos Populares”. O IIRSA (Iniciativa para Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana) é um programa estabelecido pelos governos de 12 países na América do Sul, com o objetivo de integrar fisicamente esses países mediante ações conjuntas nas áreas de transportes (rodoviário, portuário, aeroportuário, hidroviário, etc), energia (oleodutos, gasodutos, redes de energia elétrica, etc) logística (quebra de barreiras aduaneiras, mercados de fretes e seguros, etc) e telecomunicações, levando em conta estradas, rios e hidrelétricas. Esses projetos, já em curso em todos os países integrantes, são financiados e impulsionados por organismos multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Corporação Andina de Fomento (CAF), o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), do Estado brasileiro, etc.

As construções em curso, e de tamanha infra-estrutura, que sem dúvida levarão os países da América do Sul a um aumento exponencial da sua dívida externa, servirão para fundamentalmente maximizar a exploração dos nossos recursos naturais, acelerar o processo de abastecimento dos mercados internacionais com esses recursos e beneficiar as empresas transnacionais. O “desenvolvimento econômico” para a região que se intenta com esse Plano promoverá as condições necessárias para a reprodução do sistema capitalista, por meio da abertura dos mercados mundiais, promoção da iniciativa privada e retirada dos Estados da atividade econômica direta. O que significa uma nova ofensiva, em consonância com tratados de livre comércio estabelecido entre os Estados Unidos e alguns países da região, para a ampliação do modelo neoliberal na América do Sul.

Diante dos objetivos declarados abertamente pelos organismos multilaterais por trás do IIRSA, de promover a abertura da região para os mercados internacionais, sabemos que toda essa infra-estrutura não promoverá o desenvolvimento sócio-econômico da região, mas consolidará ainda mais o espólio das nossas riquezas naturais, perpetuando o nosso histórico de região periférica abastecedora do capitalismo internacional. O que somente continuará enriquecendo as classes dominantes e manterá as veias do nosso continente abertas para o saque. Como consequência de tal modelo, haverá, inegavelmente, ocupação de terras indígenas, remoção inteira de populações locais, alterações em leis ambientais, etc. Só no Brasil, por exemplo, das 137 unidades de conservação, metade será afetada por projetos ligados ao IIRSA, o que, sem dúvida, provocará sérios impactos ambientais. Por essas razões, entendemos que o plano IIRSA e o modelo de desenvolvimento que fomenta provocarão mais perda de soberania, precarização do trabalho, desigualdade social e roubo dos recursos naturais do continente.

Dado a forma como esse plano vem sendo implementado desde o seu início, em 2000 – com total desconhecimento social, silêncio dos governos e das mídias corporativas, sem qualquer consulta às populações locais que já estão sendo afetas por ele e as que ainda serão – e a abrangência de suas ações conjuntas, que operarão em todo o continente, as organizações que integram o ELAOPA concordaram ser não somente de fundamental importância, mas de urgente necessidade, que o IIRSA seja um tema em torno do qual os movimentos sociais devem atuar nos próximos anos.

No IX ELAOPA, além da centralidade da questão do IIRSA, continuaram, como já consolidado nos encontros anteriores, debates em torno das questões que mais fortalecem a solidariedade entre os movimentos sociais e que resultam da sociedade de classes em que vivemos: campo de trabalho, moradia, terra, serviços públicos, recursos naturais, comunicação, cultura, educação, opressões de gênero, raça e etnia, etc. Esses debates ocorreram, como nos outros ELAOPA, através de comissões, definidas de acordo com os setores da luta popular em que os movimentos atuam. As comissões foram as seguintes: Questão Agrária e Ecológica, Comunitária, Gênero, Raça e Etnia, Educação, Estudantil, Sindical, Cultura e Comunicação.

Essas comissões são espaços de debate, intercâmbio entre movimentos que atuam em setores comuns. Os debates se dão sobre temas compartilhados, questões sobre as quais se vêm trabalhando nas localidades de cada movimento a partir de sua luta cotidiana. E o intuito é de tirar planos de ações, quer nas localidades, quer conjuntos, que os movimentos entendem como viáveis de serem empreendidas e estrategicamente importantes.

Na plenária geral de encerramento, cada comissão apresentou os encaminhamentos tirados e encaminhamentos gerais e transversais às comissões. Os encaminhamentos aprovados foram: a criação de um centro de informação sobre o IIRSA e a disponibilização de material bruto sobre o tema, a ser colocado em um site; elaboração de cartilha para difundir a questão do IIRSA nas bases dos movimentos populares; realização de ações conjuntas que tragam o tema à tona; melhorar o atual site do ELAOPA, criando um fórum para trocas entre os movimentos; elaboração de boletins periódicos do ELAOPA. Além disso, as comissões criaram diferentes instâncias para aproximar os movimentos e militantes presentes: grupos de trabalho permanentes, encontros, listas de e-mails, tendências, fóruns etc.

Outra atividade que também compôs a programação do ELAOPA 2011 foram os grupos de trabalhos (GTs). Os GTs são espaços temáticos para que os militantes se encontrem para além das áreas de atuação. Em geral são temas em torno de questões conjunturais, problemas por que passam os movimentos sociais, oficinas, discussões sobre princípios e práticas pedagógicas, etc. No ELAOPA deste ano foram 6 GTs: Drogas, Manicômios e Direitos Humanos; Educação e Espaços Autônomos: Princípios e Práticas; Golpes de Estado na América Latina; Impactos dos Megaeventos (Copa, Olimpíada, etc) nas Populações; Movimentos Sociais, Burocratização e Trabalho de Base; e Movimentos Sociais e Comunicação, substituído por uma oficina sobre Cesare Battisti. Houve também, como de costume, durante as noites, espaços para confraternização e atividades culturais, como música e filmes.

Entendemos que entre os avanços do ELAOPA 2001 em relação aos anteriores um ponto muito importante foi a conscientização, por parte de muitos movimentos presentes, de que as organizações que participaram das comissões variam muito no peso social que têm, e que, por essa razão, não podemos perder de vista nossas limitações atuais, caso contrário correremos o risco de projetar falsas imagens da força do ELAOPA e não identificarmos as melhores formas de fortalecer as nossas ações conjuntas. De modo geral, os militantes parecem cientes de que os principais problemas que continuamos enfrentando são, por um lado, a fragmentação e a falta de mobilização das classes oprimidas, que, na sua maioria, estão desorganizadas e sem contribuir efetivamente no processo de luta de classes, e, por outro, o fato de que os diversos setores organizados contribuem pouco para o recrudescimento da luta de classes porque estão muito atomizados e profundamente burocratizados. Por isso que, em nosso trabalho de base na criação de novos movimentos e em movimentos já existentes, muito precisa ainda ser feito para a promoção dos princípios nos quais se baseia o ELAOPA e que são fundamentais para a criação de um povo forte.

Entendemos que as propostas transversais a todas as comissões refletiram essa consciência das militantes presentes e comprometidos com a luta pela criação do Poder Popular. São encaminhamentos em acordo com nosso acúmulo de forças e que, por isso, só contribuirão para o fortalecimento progressivo do nosso projeto de empoderamento das classes populares para a superação da força das classes dominantes. Projeto que só se consolidará quando os oprimidos desenvolverem, em ampla escala, estruturas de organização autogeridas e plenamente democráticas.

Quanto aos pontos negativos do encontro, o que mais saltou aos olhos, sobretudo quando temos em mente que o ELAOPA se propõe como um dos princípios centrais a defesa da autonomia e identidade dos povos originários, foi a ausência de movimentos indígenas e movimentos que defendem as lutas dos povos originários. Como discutir, por exemplo, o combate à ocupação de territórios indígenas por empresas e projetos de infra-estrutura sem que nenhum movimento indígena esteja presente? Faz-se necessário que, no próximo ELAOPA, dentro de dois anos, que ocorrerá no Rio Grande do Sul, esse quadro seja revertido. Por isso, é imprescindível que projetos como a hidrelétrica de Belo Monte, empreendimentos nos marcos do IIRSA que afetam comunidades indígenas inteiras, sejam debatidos nos encontros e com os movimentos indígenas. A participação dos povos originários nos encontros inegavelmente fortalecerá a nossa combatividade e fará justiça aos princípios e projetos que defendemos.

No mais, devemos seguir fortalecendo o ELAOPA, como espaço – entre os existentes e os que devem ser criados – de construção da luta popular de massas, articulada no seio dos movimentos sociais. E, a cada ano, a partir das localidades onde atuamos, acumular mais forças de maneira a conseguir vitórias no curto prazo, mas sempre tendo no horizonte perseguindo os objetivos finalistas que alimentam nossas esperanças: a revolução e construção do socialismo libertário. Objetivos que mantém vivas, como observa Noam Chomsky, a “nossa forte intuição e compreensão de que a coerção e a opressão, seja ela pelo poder econômico privado ou pela burocracia estatal, não são necessariamente aspectos da vida humana. E quanto mais concentrações de poder e autoridade continuarem, mais veremos a reação contra elas e esforços para organizar-se e derrotá-las”.

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